O QUE NOS ENSINA FERNANDA MONTENEGRO
- Bia Ramsthaler

- 9 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
A arte de ouvir quem tem muito a dizer

Não é o corpo que nos faz belos, mas o que conseguimos absorver, aprender e entregar ao mundo. É a inteligência.
Bia Ramsthaler
Frequentemente lembrada como “a grande dama do teatro brasileiro”, Fernanda Montenegro foi a primeira brasileira a vencer o Emmy Internacional na categoria “Melhor Atriz” pela atuação em “Doce de Mãe” (Rede Globo – 2013). Porém seu reconhecimento não se reduz a esta importante passagem. É preciso lembrar que Fernanda também ganhou um Urso de Prata no Festival de Berlim, além de receber indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar de Melhor Atriz por seu trabalho em “Central do Brasil” (1998). Foi ela a primeira mulher latino-americana a ser indicada nesta categoria.
Trazer estas e outras referências no início de um texto sobre Fernanda Montenegro, pode ser considerado “chover no molhado” para quem viveu e cresceu convivendo com o teatro e a teledramaturgia produzida desde meados do século XX. Vale lembrar que a estreia de Fernanda na TV foi na extinta Tupi, no ano de 1951. Sua história se confunde com a própria história da televisão brasileira.
Porém o que faz Fernanda grande não são apenas os acontecimentos que marcaram sua história, mas sua presença atual, pulsante e necessárias nos palcos e na cena brasileira.
Estive no dia 24 de abril no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro para assistir a um raro espetáculo: “Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir”.
Sai provocada, pensando sobre o ofício do ator e transbordando ideias que agora compartilho com você leitor.
Comentei com amigos que Fernanda Montenegro deveria ser matéria obrigatória para jovens atores. O domínio do texto, a capacidade de interpretação da palavra, o cuidado com a forma e a dicção clara e repleta de intenção e sentido, fazem da experiência de assisti-la uma revolução particular em cada ouvinte, em cada espectador.
Também o texto escolhido para a leitura compõe a forte experiência a que nos propomos ao adentrar a sala de teatro.
Simone de Beauvoir foi escritora, filósofa e professora. É considerada hoje uma das maiores teóricas do feminismo moderno, porém ouso alçá-la a um campo existencial ainda mais amplo e complexo. Simone fala da vida, da existência humana e, consequentemente, da construção da mulher livre em uma sociedade machista que pretende o controle sobre seu corpo e que também por isso ignora a sua liberdade.
A obra escolhida para a leitura era “A Cerimônia do Adeus”, constituída por uma belíssima narrativa que abraça o encontro e o cotidiano com seu maior parceiro intelectual, Jean-Paul Sartre, abordando temas como o tempo, a existência, o amor, a amizade e as pautas sociais tão fundamentais para compreendermos esta alma feminina livre e aventureira. É uma mulher no mundo e uma mulher que se constitui na relação com o outro.
Em um texto pessoal escrevi que a obra me despertou uma importante reflexão sobre a beleza da inteligência. Sua visão de Sartre, nos seduz e me faz pensar sobre como a inteligência é um elemento fundamental na obra.
Trago a reflexão à Fernanda Montenegro: uma atriz com mais de 90 anos, sentada numa cadeira em frente a uma escrivaninha que se apresenta como uma mulher sem tempo, sem idade e de uma beleza absolutamente sedutora. Fernanda hipnotiza a plateia lotada do Teatro Casa Grande o que me faz pensar que a beleza reside na inteligência e não em artifícios estéticos na louca procura por dominarmos o tempo sob um aspecto físico.
Não é o corpo que nos faz belos, mas o que conseguimos absorver, aprender e entregar ao mundo. É a inteligência.
São poucas apresentações de Fernanda Montenegro, mas você ainda poderá vê-la nos dias 10, 11 e 12 e nos dias 16, 17, 18 e 19 de maio. Sempre no Teatro Casa Grande. Permita-se.




Comentários