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O AUTORRESPEITO NA PRODUÇÃO CULTURAL

  • Foto do escritor: Laryssa Lima
    Laryssa Lima
  • 13 de jun. de 2024
  • 5 min de leitura

O desafio do autorrespeito na produção cultural brasileira através dos parâmetros

estabelecidos pela Lei Rouanet.


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A Lei de Incentivo à Cultura desempenha um papel fundamental no apoio ao

desenvolvimento dos artistas, proporcionando um ambiente propício para suas expressões. De

acordo com a Lei nº 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet, os artistas e produtores têm a

oportunidade de explorar e compartilhar suas visões de mundo de forma genuína, sem se

submeter às pressões externas, embora esse seja um grande desafio. Além disso, o artigo 3º

da referida lei destaca a importância da diversidade cultural e da valorização da identidade

única de cada artista, promovendo a autoaceitação e o respeito pela própria essência. Nesse

contexto, a interação entre o artista, seu ambiente e as consequências de suas expressões

artísticas contribuem para a construção de uma narrativa pessoal e social legítima e poderosa,

refletindo o autoconhecimento e a originalidade como pilares essenciais para uma produção

cultural impactante e significativa. Assim, a Lei de Incentivo à Cultura não apenas fomenta a

criação artística, mas também estimula o crescimento pessoal e a construção de relações

profundas entre os envolvidos nessa produção.


B.F. Skinner propõe que o autoconhecimento é gerado por contingências sociais que colocam

os relatos do indivíduo sob o controle do seu próprio comportamento. Essa abordagem sugere

que as interações do indivíduo com o ambiente, incluindo as respostas que emite e as

consequências que recebe, moldam a forma como ele descreve e interpreta suas próprias

experiências. Dessa forma, o autoconhecimento é visto como um produto das contingências

sociais que influenciam a relação entre o comportamento do indivíduo e as consequências

que esse comportamento gera. Essa perspectiva destaca a importância das interações sociais e

culturais na formação da autoconsciência e na construção da narrativa pessoal de cada

indivíduo.


Após alcançar o autoconhecimento, um novo desafio se apresenta: a capacidade de se

autorrespeitar e produzir a partir da autenticidade, em vez de ceder às expectativas alheias.

Ao compreender a si mesmo mais profundamente, o indivíduo pode se deparar com a

dificuldade de se aceitar verdadeiramente, valorizando sua identidade única e suas

experiências pessoais. Esse processo pode ser essencial para o que este texto se propõe a

refletir: a produção artística como resultado de quem se expressa genuinamente e transmite

suas emoções e visões de mundo de forma autêntica. Assim, o autorrespeito e a produção

cultural eficaz se entrelaçam, possibilitando criações a partir de sua essência mais profunda e

verdadeira, sem se deixar influenciar por qualquer protocolo.


Quero trazer o exemplo do poeta Manoel de Barros, nascido em Cuiabá-MT em 1916,

marcou a produção cultural brasileira com sua poesia dissemelhante, que desobedece às

normas gramaticais e está cheia de neologismos, remetendo às raízes mais profundas da

língua portuguesa. Sua vida foi dividida entre o Rio de Janeiro, o Pantanal-MS e viagens

internacionais, o que influenciou sua obra. Inspirado por Pe. Antonio Vieira, Barros criou

uma linguagem poética visual e sensorial, que reflete a fragmentação da cultura e da

humanidade, mas ao mesmo tempo apresenta um universo pantaneiro encantado e

profundamente humanizado. Sua criação poética é vista como um milagre inexplicável,

destacando-se pela inocência infantil nas palavras e pela profunda conexão com a natureza e

a vida.


A obra de Manoel de Barros me inspira desde que a conheci, mostrando o poder do

autorrespeito além do que é considerado convencional ou esperado. Sua sensibilidade para

perceber a si mesmo e o mundo de forma orgânica é inovadora e desafia as regras que muitas

vezes nos limitam como produtores de cultura.


“O que escrevo resulta de meus armazenamentos ancestrais e de meus envolvimentos com a

vida. Sou filho e neto de bugres, andarejos e portugueses melancólicos. Minha infância levei

com árvores e bichos do chão. Penso que a leitura e a frequentação das artes desabrocha a

imaginação para um mundo mais puro. Acho que uma inocência infantil nas palavras é

salutar diante do mundo tão tecnocrata e impuro. Acho mais pura a palavra do poeta que é

sempre inocente e pobre.” – Manoel de Barros.


Como produtores culturais, nossas ações abrangem diversas áreas para viabilizar cada

processo criativo. Desde os aspectos mais técnicos e administrativos até as relações pessoais,

a criatividade e a sensibilidade, muitos fatores influenciam nossa função. No entanto, também

enfrentamos uma rotina que pode nos esgotar ou distorcer nossos objetivos. A valorização de

nós mesmos passa pela valorização do ser humano de forma ampla, o que nos leva a respeitar

também os limites das outras pessoas.


Manoel de Barros nos ensina que o mundo exterior pode ser muito opressivo, mas quando

nos conhecemos, nos ouvimos e deixamos nossa essência fluir, conseguimos extrair suas

melhores qualidades. Se acolhemos a opressão, acabamos retribuindo com opressão, caindo

em um ciclo vicioso e improdutivo. Quando quebramos esse ciclo com respeito e uma visão

positiva de nós mesmos e do mundo, criamos uma relação de interdependência, onde cada

um, ao exercer suas funções, contribui para um trabalho de cooperação mútua. Nós e o

mundo colaboramos juntos.


Essa perspectiva de Manoel de Barros nos leva a refletir sobre a importância de cultivar uma

relação harmoniosa entre o indivíduo e o mundo ao seu redor. Da mesma forma, a Lei

Rouanet, ao enfatizar a importância da diversidade cultural e da valorização das identidades

únicas, reforça a necessidade de proteger e incentivar os modos de criar, fazer e viver da

sociedade brasileira, reconhecendo a riqueza de nossa cultura e as contribuições individuais

para um todo mais eficiente e significativo.


Veja o artigo 1º, parágrafo 5º da Lei Rouanet:


“Salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de criar, fazer e viver da

sociedade brasileira;”


Salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de criar, fazer e viver da

sociedade brasileira é como cultivar um jardim, onde cada planta, com suas raízes profundas,

representa a riqueza de nossa diversidade cultural. É reconhecer e valorizar os saberes

tradicionais, as artesanais, as músicas, as danças e todas as formas de expressão que

compõem o mosaico vibrante do Brasil.


Este artigo representa o próprio Brasil como um Estado Democrático de Direito, flexível à

sensibilidade humana e às suas necessidades. É a lei que nos permite trabalhar de acordo com

nossas características, sendo fiéis ao que nascemos para fazer. Ela nos convida a proteger não

apenas o que é visível e tangível, mas também a essência, o espírito e a criatividade que

moldam nossa identidade. Ao fazer isso, asseguramos que o legado cultural não apenas

persista, mas também prospere, adaptando-se e se renovando através das gerações. É um ato

de respeito e amor pelo passado, presente e futuro da nação, garantindo que a chama da

cultura brasileira continue a brilhar com força e originalidade.


Preservar esses modos de viver e criar é, portanto, um compromisso poético com a alma do

Brasil, um país onde cada canto ecoa histórias e cada gesto é uma obra de arte viva. É

celebrar a capacidade de reinventar-se, de encontrar beleza na simplicidade e na

complexidade das nossas tradições, mantendo sempre viva a chama da criatividade e da

identidade cultural.


A Lei Rouanet foi o resultado de extensas discussões durante os anos 1990/91, envolvendo

entidades culturais de todo o país em um esforço conjunto liderado por Sérgio Paulo Rouanet,

então Ministro da Cultura. Contrariando algumas percepções equivocadas, essa lei é um

sistema inteligente, moderno e abrangente, com um forte propósito democratizante, desde que

seja aplicada de forma adequada. No entanto, como produtores de cultura, muitas vezes

contribuímos para a aplicação inadequada da Lei ao não reconhecermos a sensibilidade que a

produção cultural demanda. Quando nos distanciamos da verdadeira essência de quem somos

nossas funções se perdem no decorrer do fluxo e o resultado se prostitui.


Talvez você não se veja como um artista ou não perceba que sua vivência produz cultura. Sua

rotina pode estar tão moldada pelas expectativas que você nem mais se reconhece. No

entanto, ao refletir sobre nossa identidade, devemos ser corajosos para nos respeitar,

oferecendo resultados positivos aos que nos rodeiam em todas as nossas atividades, desde as

mais simples até as mais grandiosas, não pelo que esperam, mas pelo resultado de quem

somos sempre ser benéfico quando nos dedicamos ao bem dele. Que nossa cultura seja tanto

a motivação quanto o produto de sermos honestos em nossa identidade, estabelecendo e

respeitando nossos limites.

 
 
 

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