top of page

A resposta histórica das mulheres brasileiras através da produção cultural

  • Foto do escritor: Laryssa Lima
    Laryssa Lima
  • 21 de mar. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 22 de mar. de 2024



ree


Como mulheres, à medida em que crescemos e nos percebemos diante das informações do mundo, cada vez mais se esclarecem as lutas e práticas de resistências que serão desenvolvidas por nós, unicamente por termos nascido em um corpo feminino. Longe de qualquer reducionismo, a feminista Janice Raymond argumenta que a experiência de viver em um corpo feminino, com toda a bagagem histórica que isso implica, é fundamental para compreender a realidade das mulheres. 

 

Penso que talvez seja essa biologia, essa genética com a qual as mulheres nascem, que confere a elas um poder especial: a capacidade de responder de maneira positiva ao cenário quase sempre negativo que surge unicamente da condição de ser mulher.

 

A história do Brasil reflete a forma não acolhedora com que suas mulheres foram tratadas ao longo do tempo. Aqui, vamos analisar, por meio da produção cultural, como as mulheres brasileiras, desde 1500 até os dias de hoje, enfrentam contextos desfavoráveis em busca de dignidade e autonomia.

 

Segundo Schuma Schumaher e Erico Vital, na apresentação da obra “Dicionário: mulheres do Brasil”, resgatar a história das mulheres brasileiras não é apenas um registro necessário da memória, mas também um ato de justiça. Afinal, não podemos esquecer ou minimizar o esforço individual e coletivo de milhares de brasileiras que, insatisfeitas com sua condição, se rebelaram contra as imposições: foram as indígenas contra a violência dos colonizadores, as negras contra a escravidão, as brancas contra os valores patriarcais dominantes. Todas elas lutaram pela transformação das normas impostas às mulheres. 

 

Essas mulheres deixaram sua marca na conturbada história de construção da nação brasileira, oferecendo exemplos inspiradores de força e resiliência às gerações futuras. Foi nesse cenário nada receptivo que as mulheres perceberam que nascer em um corpo feminino era uma dura realidade pré-teórica, bem antes que pudessem ter qualquer cosmovisão, qualquer mínimo entendimento de seus gostos e afeições, seus berços eram a opressão e o reducionismo brutal de sua essência. Antes de serem rejeitadas pelo solo do Brasil, é como se seus próprios corpos fossem uma prisão assustadora e perpétua.

 

As mulheres indígenas eram originariamente conhecidas por sua nudez. Durante a colonização, quando receberam novos nomes “cristãos”, muitas delas procuravam a todo custo preservar seus velhos nomes étnicos, lutando pela manutenção de uma parte importante de sua memória pessoal.

 

As mulheres negras enfrentavam o domínio violento dos senhores sobre seus corpos. Como explica Gilberto Freyre, criou-se no imaginário social brasileiro a caracterização da mulher negra como luxuriosa.

 

As mulheres brancas tinham duas opções para que seu sucesso fosse creditado socialmente: seguir o caminho do celibato religioso ou se casar e ter muitos filhos. Nessa mesma época, havia um tipo de Código Penal que organizava as relações sociais na colônia. Nas Ordenações Filipinas, no Livro V, Título XXXVIII, dizia: “Achando o homem casado sua mulher em adultério, poderá matar a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero Fidalgo, ou nosso Desembargador, ou pessoa de maior qualidade.” A mulher poderia legalmente ser morta sem qualquer ressalva.

 

Sobre o nosso digníssimo Brasil, a estrutura social indígena era profundamente patriarcal, o que facilitou a replicação e até ampliação do modelo patriarcal europeu em nossas terras. Conforme Mary del Priore explica, essa fusão de diferentes formas de patriarcado, intensificada com a chegada dos escravizados, contribuiu para criar uma situação histórica amplamente desfavorável às mulheres no Brasil.

 

Ao longo dos séculos, as mulheres brasileiras conquistaram avanços significativos em seus direitos. Com o passar do tempo, especialmente a partir da constituição de 1934 durante o governo de Getúlio Vargas, foram introduzidos princípios mais equitativos. A industrialização e os movimentos feministas nas décadas seguintes impulsionaram mudanças sociais, aumentando a presença das mulheres no mercado de trabalho e na esfera pública. A Constituição de 1988 consolidou importantes garantias de igualdade de gênero. No entanto, desafios persistem, como a desigualdade salarial e a sub-representação política. 

 

Essa resiliência histórica nos emociona ao perceber a sensibilidade ainda presente na luta a ponto de gerar para o país uma cultura cada vez mais incrementada de arte e liberdade. O poder da mulher de não sucumbir desde os primeiros séculos tem feito essa vergonha histórica nacional se transformar em um significado redentivo. Os corpos que antes eram tidos como sentença hoje são motivos de orgulho e força sem ignorar as dificuldades talvez eternas que os seguirão, mas sempre reagindo com um produto mais potente e efetivo na sociedade.

 

Observe alguns exemplos:

 

Maria Quitéria de Jesus, nascida em 1792 na Bahia, chegou a comandar um batalhão apenas de mulheres. Sua destreza com armas e sua bravura fizeram com que recebesse a honra de primeiro cadete em meados de 1823. Hoje, existe uma medalha militar que leva seu nome.

 

Nísia Floresta, nascida em 1810 em uma família tradicional latifundiária pernambucana, foi a primeira mulher do país a publicar um livro, em 1832, e publicou mais 15 obras, além de se envolver nas questões abolicionistas e no movimento republicano.

 

Chiquinha Gonzaga (1847-1935) foi uma compositora e pianista brasileira pioneira, conhecida por obras como "Ó Abre Alas", que se tornou um hino do carnaval brasileiro. Sua música e ativismo social deixaram um legado duradouro na cultura brasileira;

 

Tarsila do Amaral (1886-1973) - Reconhecida como uma das principais artistas modernistas do Brasil, Tarsila é conhecida por obras como "Abaporu" (1928), um ícone do movimento modernista brasileiro;

 

Daiara Tukano - Artista, escritora e ativista indígena da etnia Tukano, conhecida por suas contribuições para a visibilidade e valorização das culturas indígenas no Brasil. Uma de suas obras notáveis é "Ocupação Mbya Guarani", que aborda a resistência e luta pela terra dos povos indígenas.

 

E poderíamos passar dias listando mulheres renomadas e obras magníficas que orgulham o país, poderíamos também trazer esse renome para as que produzem cultura em nossos mundos particulares, como avós, tias, mães, amigas.

 

Minha mãe, Cláudia Cordeiro Rodrigues Lima, dedicou sua vida como professora de crianças e adolescentes em uma área periférica do Rio de Janeiro, equilibrando suas responsabilidades entre o ensino e o apoio às crises existenciais enfrentadas por seus alunos. Enquanto contribuía para melhorar o Brasil por meio da educação, ela também desempenhava o milagre de manter a casa impecável, o casamento feliz e suas filhas bem cuidadas.

 

Podemos nos unir hoje às mulheres que, ao longo da história do Brasil, responderam de forma criativa e resiliente aos desafios que surgiram em seus caminhos. Suas contribuições culturais foram fundamentais para a construção de uma identidade nacional rica e diversificada. É impossível imaginar o Brasil sem a influência e o legado deixado por essas mulheres, que moldaram o cenário cultural, social e político do país. Seus feitos nos enchem de orgulho e nos inspiram a continuar contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva e acolhedora, não apenas no dia 8 de março, mas em todos os dias do ano.

 

Ao reconhecermos a importância e a força das mulheres brasileiras ao longo dos séculos, celebramos não apenas suas conquistas passadas, mas também nos comprometemos a seguir seus passos, buscando sempre melhorar os cenários em que vivemos. Nossos corpos femininos não foram feitos para desistir, mas sim para redimir e transformar o Brasil em um lugar onde a liberdade, a criatividade e a igualdade de gênero sejam valores fundamentais. Que possamos continuar honrando e celebrando a incrível capacidade das mulheres de tornar o mundo um lugar melhor para as gerações futuras.

 
 
 

Comentários


CULTURA EM MOVIMENTO

  • email amarelo
  • youtube amarelo
  • facebook amarelo
  • linkedin amarelo
  • instagram amarelo
  • tiktok

©2024 por IC CULTURA.

bottom of page