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TRANSVIAR AS NORMAS DE SER NO MUNDO

  • Foto do escritor: Lucas Schmitz
    Lucas Schmitz
  • 3 de abr.
  • 3 min de leitura

Ancestralidade, identidade e resistência, um relato à potência do Dia Internacional da Visibilidade Trans


Por Lucas Schmitz


Essa semana vivenciamos em 31 de março o Dia Internacional da Visibilidade Trans, com marchas em todo o mundo, incluindo a Marcha da Visibilidade Trans Masculina realizada no domingo, dia 30, em São Paulo. Esta marcha contou com a presença de mais de 10 mil pessoas, em sua maioria homens trans, trans masculinos e não binários.


Por que é importante compreendermos a importância desta data? Simples, é fundamental tirarmos da invisibilidade não apenas esta população, mas também suas necessidades e anseios. Em um estudo sueco, a prevalência de ideação suicida foi quase sete vezes e meia maior entre os entrevistados transexuais. A mesma pesquisa demonstrou também que o tratamento ofensivo e a violência são correlatos significativos da tendência suicida. Essa violência se dá diante de um cenário político-social que indignifica a comunidade, nos colocando em posições de marginalização e exclusão, sem levar em consideração o histórico e as perspectivas ancestrais que vão além do ocidente e sua cultura hierárquica e patriarcal.


Poucos sabem ou procuram saber disso, mas a transexualidade, ou como é mais comum de ser chamada atualmente, a transgeneridade, existe há mais tempo do que pensa a humanidade. Isso pode ser chocante para algumas pessoas. Mas o que importa é que, mesmo sendo uma pauta aparentemente recente, nós viemos a esse mundo há muito mais tempo do que se é sabido pela norma da contemporaneidade.


O termo “transgênero” foi criado apenas na década de 1960, difundido na década de 1990 e sempre contestado. Mas o desejo de viver na pele a nossa verdadeira expressão de identidade existe muito antes da criação do termo transexualismo. Aliás, vale destacar que o sufixo “ismo” está em desuso em razão de sua conotação pejorativa uma vez que "ismo" define algo como patológico.


Os primeiros relatos da história de pessoas transgêneras vem de origens ancestrais como por exemplos o reconhecimento de um terceiro gênero em comunidades indígenas compreendidos como pessoas de dois espíritos e, no sul da Ásia, as comunidades reconhecem um terceiro gênero não binário conhecido como hijra, pessoas não binárias que desempenham papéis ritualísticos na região.


Infelizmente, a história final da vida desses seres humanos não se deu da forma como mereciam, em sua maioria acabaram em hospitais psiquiátricos, prisões ou tiveram suas vidas tiradas e atiradas em rios da região.


O retrato disso nos dias de hoje não é tão diferente quanto ao dessa época. Um dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontou que o Brasil, hoje, lidera, pelo 16º ano consecutivo, os índices globais de assassinatos contra essa população. A maioria das vítimas são mulheres trans, jovens, negras e nordestinas, com crimes marcados por extrema violência, e a expectativa de vida dessa população é de até 35 anos.


Mas o que caracteriza a transgeneridade e por que tamanha violência é direcionada diariamente a nossos corpos? Alguns vão dizer que é ambicionar passar para o sexo oposto ou, em outras palavras, “pessoas que não se identificam com o gênero ao qual foram designadas, baseado em seu sexo biológico”, mas entre muitos debates dentro e fora da comunidade, entendemos que essas noções anulam o que na realidade é o conceito de gênero, um termo que é e sempre foi uma construção social, psicológica e cultural estipulada e classificada de dentro das normas de uma visão moral, religiosa e cis-heteronormativa.


Diante dessa perspectiva comum, o gênero se classifica a partir do sexo biológico, e é aqui que dentro da comunidade problematizamos esse termo - para a cisgeneridade sexo e gênero são lidos como classificadores semelhantes. Já quando falamos sobre visibilidade, vivificação e o protagonismo de corpes trans, essa narrativa fantasiosa vai por água abaixo, pois não entendemos o gênero a partir da genitália, e sim diante de uma essência que vibra em nossos corpos e nos clama por liberdade de expressão da identidade única de cada um.


Ou seja, o gênero não necessariamente está relacionado com o sexo biológico, inclusive vai muito além do feminino e masculino, considerado o binário, e muitos ainda nem estão registrados. Já a expressão de gênero é como o indivíduo vai se compor conforme sua identidade. Essa expressão é imposta pela sociedade, família, igreja, desde cedo na criança, quando se determina como cada sexo biológico deve se comportar. Isso não seria limitante para nós seres humanos livres em nossa essência?


E assim, existimos para além da norma, transviamos o moralismo cisgênero em respeito à arte de expressar nossas identidades, únicas em cada forma, detalhe e nuance. Que sigamos resilientes, marchando pelos nossos direitos, em memória daqueles que tiveram suas vidas e sonhos roubados, e em homenagem aos mais velhos, cujas lutas permitiram que hoje pudéssemos conquistar e viver nossos direitos com mais visibilidade e dignidade.


Como diz Linn da Quebrada e Ventura Profana na música “eu matei o Júnior”:


“& se trans for mar

eu rio”

 
 
 

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