O PRODUTOR CULTURAL: O ELO INVISÍVEL DA ARTE
- Renato Chiquito
- há 7 dias
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Uma reflexão sobre o 1º de maio, Dia do Trabalhador: transformando ideias em experiências e resistência em expressão artística.
Por Renato Chiquito

Quando as luzes se apagam na plateia e o coração do público , de repente , bate no mesmo compasso, há um rosto que quase ninguém vê. Você, produtor cultural, está ali desde o primeiro rascunho até o último bis. É a mão que costura cronogramas, a mente que traduz sonhos em planilhas, o peito que segura a ansiedade de artistas e patrocinadores, tudo para que o instante mágico aconteça. Sem você, os espetáculos ficam só na imaginação, as danças populares se perdem no vento e a roda de capoeira não encontra o batuque certo.
Chamam‑o de produtor cultural, gestor, articulador, fazedor de cultura, produtor executivo ou tantos outros nomes. Nenhum rótulo dá conta da grandeza do seu ofício. Você é o guardião das histórias que ainda serão contadas, a ponte que liga criadores, audiência e políticas públicas. Planeja, capta, administra, comunica, presta contas e preserva memória , e faz tudo isso com o brilho nos olhos de quem sabe que arte é alimento da alma.
Nos bastidores do teatro, dos musicais, do hip‑hop, do boi‑bumbá, da ciranda e do maracatu, sua engenharia invisível faz o impossível caber no orçamento. O IBGE registra 5,5 milhões de postos de trabalho ligados à cultura e salários 26% maiores que a média nacional, mas nenhum número traduz a pulsação que você sente ao ver o palco se acender. Cada emprego gerado, cada praça revitalizada, cada criança que descobre o encantamento da primeira peça carrega sua assinatura silenciosa.
A trajetória de formação reflete esse chamado. Em 1994, a Universidade Federal Fluminense abriu a primeira turma de Produção Cultural; em 1996 foi a vez da Universidade Federal da Bahia. Hoje mais de 30 bacharelados e dezenas de pós‑graduações espalham entusiasmo e técnica pelo país. Ainda assim, você sabe que o aprendizado real acontece no campo, quando o caminhão de cenário atrasa, o cachê não entra e a plateia já faz fila na porta.
Você também aprende a reinventar o dinheiro. Quando o patrocínio é curto, recorre a moedas sociais, faz vaquinha, troca figurino e reaproveita madeira para não desperdiçar nem sonhos nem recursos. Economia circular não é tendência , é necessidade urgente que você já praticava antes de virar conceito ESG.
Na sexta‑feira, 2 de maio de 2025, um dia depois de celebrarmos o Dia do Trabalhador, foi sancionada a lei federal que tornou permanente a Política Nacional Aldir Blanc, garantindo reais possibilidades para linguagens populares, bens imateriais e circulação em cidades de todos os tamanhos. Parece muito, mas você sabe que a verba chega em ondas irregulares, que as planilhas mudam de formato a cada gestão e que explicar arte através de leis de incentivo exige paciência de santo. Mesmo assim, você persiste, porque cada projeto aprovado é um futuro festival garantido.
Ferramentas digitais já encurtam o labirinto burocrático em alguns estados; cursos técnicos gratuitos chegam aos interiores; observatórios de dados começam a mostrar o impacto que você sempre sentiu no peito. Mas ainda falta estrada. Falta previsibilidade no fomento, reconhecimento na folha de pagamento, espaço para errar sem perder o chão. Falta, sobretudo, que o país inteiro perceba que, sem o seu trabalho, a cortina pode até abrir, mas não haverá espetáculo.
Produtor cultural, hoje o aplauso é para você. Que seu celular toque menos por cobranças e mais por convites, que as planilhas fechem no azul, que as noites de estreia cheguem sem dor de estômago, que a sociedade entenda que a cultura que a salva nos dias difíceis depende do seu suor diário. Que o DJ que faz a praça pulsar, a guardiã dos cânticos quilombolas, o grafiteiro que colore a cidade, o mestre da roda de capoeira, o rabequeiro que chama o baião, a artesã que borda sonhos no tear marajoara, o ator em primeira viagem e o público que vibra possam afirmar: um elo invisível sustentou essa magia toda. E esse elo tem nome, CPF e uma coragem que não cabe nos holofotes.
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