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“AINDA ESTOU AQUI”: UM MARCO HISTÓRICO NA PRODUÇÃO BRASILEIRA

  • Foto do escritor: Bia Ramsthaler
    Bia Ramsthaler
  • 13 de mar.
  • 7 min de leitura

Por Bia Ramsthaler e Daniel Mendes


Em meio à celebração do Carnaval, a expressão máxima da identidade do povo brasileiro, o país viveu um momento histórico: na 97ª cerimônia do The Academy Awards, a bandeira verde e amarela conquistou seu primeiro Oscar, prêmio de maior prestígio do cinema mundial. Como catalisador da cultura, o cinema é muito mais do que o registro em movimento de momentos históricos e sociais — ele molda imaginários, inspira mudanças, denuncia injustiças e atravessa espectadores de todo o planeta, perpetuando a magia do audiovisual através do tempo. O feito, além de inédito, simboliza o reconhecimento da força do cinema nacional, que percorreu um longo e árduo caminho até alcançar o prêmio mais importante da indústria cinematográfica.


O cinema brasileiro tem imprimido uma trajetória repleta de desafios e conquistas na busca por reconhecimento internacional. Desde suas primeiras incursões na sétima arte, o Brasil demonstrou um forte compromisso com narrativas autênticas e sociais, refletindo sua identidade cultural. No entanto, a conquista de espaço no Oscar, a mais importante premiação da indústria cinematográfica, não foi um caminho fácil.


A primeira grande conquista do cinema nacional em premiações internacionais ocorreu em 1962, quando O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e se tornou o primeiro filme brasileiro indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional. O longa, baseado na obra de Dias Gomes, abordou temas universais como religiosidade e desigualdade social, abrindo caminho para futuras produções brasileiras alcançarem um espaço na vitrine da Academia.


Nos anos seguintes, o Brasil voltou a marcar presença no Oscar com O Quatrilho (1996) e Central do Brasil (1998). Este último, dirigido por Walter Salles, trouxe uma das mais marcantes performances do cinema nacional, com Fernanda Montenegro sendo indicada ao Oscar de Melhor Atriz. A produção consolidou a imagem do Brasil como um país capaz de contar histórias com profundidade e emoção, contribuindo para a internacionalização do cinema nacional. Avançando no tempo, o reconhecimento internacional do Brasil ganhou um novo capítulo em 2025 com a potência cinematográfica de Ainda Estou Aqui. Baseado na obra de Marcelo Rubens Paiva, com direção de Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello, o longa se destaca por sua abordagem sensível sobre um importante recorte de nossa história recente: a Ditadura Militar, a violenta perseguição política, a morte e o desaparecimento, a perda e o luto interminável das famílias que não puderam enterrar seus mortos.


Ainda Estou Aqui iniciou sua aparição transnacional ao ganhar o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza e, desde então, seguiu crescendo no cinema mundial, conquistando, até a publicação desse artigo, mais de 30 prêmios internacionais de destaque, incluindo uma vitória histórica de Fernanda Torres como Melhor Atriz de Filme de Drama no Globo de Ouro e despontando na maior premiação do cinema mundial: O Oscar.


A produção audiovisual conquistou suas indicações nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Atriz e encantou o país ao ganhar uma inédita nomeação para Melhor Filme. Consolidando-se como um marco contemporâneo do cinema brasileiro, as indicações do filme refletiram não apenas o talento de diretores, artistas e roteiristas nacionais, mas também a capacidade de contar histórias universais que dialogam com diferentes culturas.


O longa-metragem movimentou a cadeia produtiva do cinema nacional, garantindo um novo fôlego para o setor. Em 2024, dados da ANCINE apontam para 3,7 milhões de espectadores em filmes nacionais. Agora, Apenas Ainda Estou Aqui já levou mais de 4 milhões de pessoas às salas de cinema, tornando-se a quinta maior bilheteria da história de uma obra cinematográfica nacional e a maior bilheteria desde a pandemia, quando o mercado cultural sofreu um violento impacto jamais visto na história social brasileira e mundial. 


O filme também desempenhou um papel importante no cenário cinematográfico nacional, contribuindo, segundo dados da Revista Exame, para um aumento de mais de 113% nas exibições de obras brasileiras nas salas de cinema. Além disso, já somou mais de R$100 milhões em arrecadação, consolidando-se como um blockbuster nacional. Sua presença internacional também reforça seu sucesso inerente: ao estrear em 93 salas de cinema nos Estados Unidos, a demanda pelo longa-metragem se intensificou de forma tão abrupta que, em poucos dias, estabeleceu-se em 762 salas de cinema, um recorde para um filme brasileiro, ultrapassando o aclamado Central do Brasil e seu antigo recorde de 144 salas.


A obra é ambientada na década de 1970, elemento presente até na sua fotografia, que possui um tom amarelado e retrô, fator que levou muitos brasileiros com mais de 50 anos às salas de cinema ao retratar uma época nostálgica, mas também desafiadora da história do país. No entanto, a trama conquistou o coração de espectadores de todas as idades, com destaque para os mais jovens.


É impossível medir o interesse das gerações Z e Alpha sem considerar sua presença avassaladora nas redes sociais, e as métricas alcançadas por Ainda Estou Aqui e seu elenco nas mais diversas plataformas digitais são impressionantes. Mesmo sem possuir perfis oficiais, o filme gerou grande engajamento: a hashtag #AindaEstouAqui no TikTok registrou um aumento de 793% em seu uso, segundo dados da Veja. Além disso, o ator Selton Mello teve um crescimento de 1.310% em seguidores na plataforma, enquanto as buscas pelo nome de Fernanda Torres aumentaram aproximadamente 120 vezes. A potência da torcida digital criada pelos brasileiros foi reconhecida até por veículos internacionais renomados, como o The New York Times, que destacou: “Promover o filme e Fernanda Torres se tornou um passatempo nacional.”


Ou seja, Ainda Estou Aqui estabeleceu uma forte conexão entre gerações e gerou um impactante movimento digital, movido, principalmente, pelo orgulho do brasileiro ao ver sua cultura sendo celebrada em palcos internacionais tão relevantes. O filme cumpriu um papel essencial ao apresentar aos jovens uma época que não viveram, mas que precisa ser lembrada e, através de sua narrativa, resgatar uma memória histórica vital e uma reflexão para que os erros do passado não sejam repetidos. 


Outro marco é o fato de que a primeira e única atriz brasileira indicada ao Oscar até o momento, foi Fernanda Montenegro. E agora, 26 anos depois, sua filha, Fernanda Torres, volta a figurar entre as melhores atrizes segundo a Academia. Esse intervalo expressivo entre as indicações destaca o quão densa é a barreira linguística que cerca a atuação no país, dificultando para as atrizes brasileiras obterem reconhecimento e a necessidade de maior visibilidade para o talento presente no país. Contudo, a vitória de Torres no Globo de Ouro e sua indicação ao Oscar abre espaço para que outras mulheres sejam reconhecidas no cenário internacional. 


Nos últimos anos, a presença feminina tem se intensificado no cinema brasileiro, tanto na frente das câmeras quanto nos bastidores. Diretoras, roteiristas e produtoras têm ganhado grande destaque, trazendo novas perspectivas e ampliando a diversidade das narrativas. 


Ainda Estou Aqui destaca a força e resiliência feminina ao retratar Eunice Paiva, uma mulher que busca proteger sua família dos assédios do governo enquanto enfrenta a dor da busca incessante por seu marido, Rubens Paiva, após seu desaparecimento durante a Ditadura Militar. O filme também conta com a produção executiva de Maria Carlota Bruno, que teve um papel fundamental na concretização da obra e foi oficialmente registrada para receber o troféu e discursar se o longa brasileiro ganhasse a categoria de Melhor Filme no Oscar.


A crescente presença de mulheres no cinema brasileiro reflete uma transformação significativa na indústria, trazendo maior diversidade e representatividade para as telas. Ao longo dos anos, o trabalho dessas profissionais tem sido essencial para a consolidação do Brasil no cenário internacional, destacando a necessidade de continuar investindo em histórias que celebrem diferentes perspectivas e experiências.


Vale lembrar ainda que Ainda Estou Aqui não utilizou nenhum tipo de incentivo fiscal para sua produção. Isso significa que não há qualquer relação do filme com as leis de incentivo à cultura em vigor no país. Porém, por se tratar de um longa-metragem, se tivesse utilizado de recursos públicos, estes não seriam advindos por meio da Lei Rouanet como erroneamente apontado pela perigosa onda da desinformação. Longas metragens apoiados por mecanismo de incentivo fiscal, são inscritos através da ANCINE na Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685/1993).


O cinema brasileiro, hoje, passa por um momento de grande comemoração e efervescência, celebrando nossa identidade cultural e demonstrando que não será preciso seguir as fórmulas de Hollywood — desde roteiros a elencos — para ter reconhecimento. Aliado a um governo que cumpra seu papel de fomento à cultura, que preste apoio de leis que garantem um acesso mais justo e democrático à sétima arte e formulação de novos editais, teremos cada vez mais o cinema brasileiro atraindo a atenção tanto do público brasileiro quanto da crítica internacional.


O impacto de Ainda Estou Aqui vai além das premiações. Seu sucesso abre portas para novos investimentos no cinema brasileiro, prova que há espaço para produções nacionais no cenário global e fortalece a indústria audiovisual do país. O longa-metragem não é apenas um marco, mas um ponto de virada para o futuro do nosso cinema.  Este reconhecimento contribuiu para a união em um país que, até então, estava marcado por divisões devido a tensões políticas. 


Estamos vivenciando um período em que as produções nacionais ganham o devido destaque, consolidando-se como uma força crescente no cenário global e, acima de tudo, demonstrando a importância da cultura nacional em valorizarmos nossa identidade enquanto brasileiros.


Mas, se hoje comemoramos o reconhecimento da obra, é bom não esquecermos que a indústria do cinema sempre se mostrou promissora desde a criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949), o primeiro embrião da indústria cinematográfica no Brasil. 


O cinema nacional mostra sua força histórica. Afinal, se o cinema mundial tem por marco inaugural o ano de 1895 — quando os irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo — em menos de um ano o Brasil inaugurou a sua primeira sessão de cinema ocorrida na Rua do Ouvidor, no centro da cidade do Rio de Janeiro. 


Também não podemos deixar de ressaltar a importância do Cinema Novo (1950-1970), movimento encabeçado por Glauber Rocha, Nelson Pereira do Santos, Ruy Guerra, Cacá Diegues, entre outros, que se destacou por sua força e reconhecimento internacional, revolucionando a forma de fazer cinema no país.


Por fim é também importante reconhecermos a resiliência de profissionais do nosso tempo que resistiram a momentos políticos que promoveram o desmonte da cultura. Estes profissionais, fossem eles técnicos, diretores, roteiristas e atores, mantiveram suas produções tantas vezes premiadas mesmo com baixíssimo orçamento. 


Se o reconhecimento internacional move a economia do setor, ele também injeta ânimo e coragem no articulador cultural. A arte nunca cessa. O cinema resiste e com “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, como dizia Glauber Rocha, a sétima arte permanece. 


 
 
 

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