IA e Propriedade Intelectual: Quem é o Autor na Era dos Algoritmos?
- IC CULTURA
- 23 de mai.
- 4 min de leitura
Explorando os desafios legais e éticos da autoria em um mundo onde a inteligência artificial cria.
Por Wilson Neto e Kaio Machado

Quem é o autor na era dos algoritmos? Uma boa e longa reflexão pode ser feita com base nessa simples pergunta, e este é o tema que orienta o artigo que se inicia.
Na era da inteligência artificial, a noção tradicional de autoria está sendo desafiada. Leis de direitos autorais no Brasil e em boa parte do mundo reconhecem apenas seres humanos como autores, o que cria um vácuo legal para obras geradas por IA. Quando há intervenção humana como comandos, curadoria ou edição, o usuário pode ser considerado o autor, mas ainda há debate sobre a responsabilidade de programadores ou ainda se seria o caso de reconhecer uma coautoria entre humano e máquina. A ausência de regras claras levanta dúvidas sobre quem detém os direitos de obras criadas com auxílio da IA.
Além dos impasses legais, surgem questões éticas importantes, como a originalidade dessas criações e o uso de dados de artistas humanos no treinamento das IAs sem consentimento. Há também uma enorme desvalorização do trabalho criativo humano. O cenário pede uma atualização das leis ou mesmo a criação de um novo regime jurídico para lidar com essas transformações. O desafio é equilibrar inovação tecnológica com justiça e respeito aos direitos dos criadores humanos.
Mas essa questão vai além dos direitos éticos e legais sobre uma obra gerada por uma máquina. Ela também envolve a onda de facilidades e atalhos que as inteligências artificiais nos proporcionam no processo de criação artística fazendo com que, muitas vezes, o ato criativo se resuma a apertar um botão dentro de uma ferramenta feita para replicar o que já existe.
É difícil falar de inteligência artificial sem conectá-la às redes sociais e aos smartphones que usamos diariamente. Redes projetadas para prender nossa atenção e nos vender algo, seja um produto ou uma ideia. No meio deste debate há ainda uma errônea ideia de que seremos mais felizes se seguirmos um padrão: se fizermos o que todos fazem, gostarmos do que todos gostam e nos vestirmos como todos se vestem. Até que ponto esses atalhos e "dicas" estão ligados a engrenagens que fazem o produto ser mais importante que a criação? Ou que destroem processos criativos e descobertas reduzindo-as a um simples apertar de botões sugestivo? Ou ainda que nos influenciam a seguir uma maré de mesmice, onde o mais importante é vender e gerar engajamento e não o impacto que aquela obra pode causar em quem a recebe. Importa mais o que você quer produzir do que o que aquilo desperta na sua audiência. Vemos uma transformação do criador em operador de algoritmo, gerando uma clara perda da vivência profunda que a arte deveria provocar.
Afinal, o que é a arte, senão aquele desconforto, aquela sensação de levar um soco no estômago que nos faz repensar se estamos realmente vivendo e sentindo ou apenas existindo? O que vejo é a arte se tornando cada vez mais estética e comercial, e cada vez menos sensível e transformadora.
Como definir o que é nosso e o que já não é? Nossas criações geralmente serão frutos daquilo com o que mais alimentamos nosso pensar, consumir e experimentar, ou seja, justamente a forma como decidimos com o que iremos nos alimentar foi drasticamente transformada. Quantas das suas preferências atuais são descobertas genuínas? Parte considerável do nosso pensar, senão a maior delas, está condicionado a algum algoritmo, pois toda a nossa experiência virtual passou a ser direcionada dessa forma, e a medida em que um smartphone com acesso a redes sociais passou a ser tão importante para a existência humana quanto o ar que respiramos, todo e qualquer processo criativo passou a ter cada vez mais influência dessas redes que nos agarram e nos prendem e nos mantém entretidos sempre com uma sugestão melhor do que a outra.
Não há mais descobertas, é como se voltássemos a andar de bicicleta com rodinhas por não conseguir mais minimamente se equilibrar sozinho. Toda a nossa existência está condicionada a esse loop infinito e adoecedor. Como fazer surgir de nós algo que esteja ileso dessa enorme influência? Esse é nosso maior desafio atual. Nos libertar dessas amarras é urgente. Com pequenas ou grandes mudanças, algo precisa ser feito, é necessário abalar essa estrutura na qual o ser humano está aprisionado. Cabe ao produtor de arte voltar a ser produtor de arte, buscar acender a veia que pode transformar pensamentos, romper com o senso comum ou fugir da lógica. Cabe aos fazedores de cultura bradar esse grito que pode ecoar nos mais íntimos cantos das almas de cada ser humano.
A impressão que temos é a de estarmos completamente paralisados e entregues a essa nova realidade, que de certa forma foi impulsionada e amplificada por conta da pandemia. Vivendo no modo automático sempre que possível, buscando diariamente uma nova forma de entreter, cada vez mais felizes e satisfeitos com uma nova sugestão da Alexa, entretidos com um short melhor que o outro, cada vez com menos paciência para uma hora de leitura diária… você, fazedor de cultura, de arte, se vê submerso nessa realidade? Esse é o “X” da questão, pois o que temos visto é que cada vez mais artistas e produtores culturais se adequam a esse universo, ao invés de buscar se opor e nadar contra a maré. Quantos músicos hoje não buscam fazer uma música pensando no viral? Quantos produtores não constroem seus eventos em temáticas que estejam em alta, buscando justamente essa facilidade de engajamento para alcançar um público maior? Enfim, inúmeras perguntas nesse sentido poderiam ser feitas, e as respostas para elas nos demonstrariam de forma clara que cada vez mais a arte está sucumbindo a esse maldito sistema.
Cabe a mim e você, de forma individual, buscar novas formas de se relacionar com a arte como um todo.
Quando foi a última vez que você visitou um sebo? Quando foi a última vez que conseguiu escutar um álbum com dez músicas do começo ao fim? E a última vez que enviou uma mensagem sem um corretor automático? Até mesmo nossas conversas mais pessoais são cada vez mais afetadas por esse senso de rapidez, perfeição, instantaneidade… que vida merda, hein? Aonde iremos parar, se estamos tão docilmente entregues a essa realidade? Eis a questão a ser descoberta nos próximos anos.
Sabe lá o que será da arte e de todo esse ambiente cultural daqui 5, 10, 15 anos…
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